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A TARDE Memória: As campanhas de Bernardino de Souza (24/10/2020)


No entorno da Praça da Piedade destacam-se duas belas construções: os prédios onde funcionam o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB) e a seção baiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-BA). As duas obras resultaram de subvenções coordenadas pelo professor e jurista Bernardino de Souza. Em linguagem mais coloquial, os imóveis foram construídos por meio de uma vaquinha, um bom exemplo de cidadania, ou seja, do esforço coletivo em torno de uma causa comum.


O governo baiano contribuiu para as duas campanhas promovidas por Bernardino de Souza, mas o projeto recebeu apoio dos mais variados segmentos sociais. Em tempos de eleições, com vagas para as câmaras municipais, esta é uma ação que pode ensinar sobre mobilização, inclusive em relação a estratégias para cobrar os agentes públicos, e uso de caminhos que evitam o personalismo.

A sede da OAB foi o endereço da antiga Faculdade de Direito onde Bernardino de Souza atuou como professor e diretor. Quando realizou a ação para a construção das novas dependências, no final da década de 1920, o seu trabalho anterior para tornar possível a inauguração em grande estilo da chamada “Casa da Bahia”, como foi celebrado o prédio onde até hoje funciona o IGHB, já era conhecido.




Prédio do IGHB década de 1920


“Foi uma campanha de subscrição popular. Até o Marechal Rondon deu dinheiro para a construção dessa sede. Bernardino de Souza apelou a todos. Ele escreveu para os juízes do interior. Meu avô era juiz em Alagoinhas. Aqui tem a carta do meu avô para Bernardino dizendo que não podia mandar muito dinheiro, pois sua comunidade era pobre, mas ele mandou. Tem uma carta de minha tia-avó, que era professora em Lajes, mandando uma pequena quantia. Meu pai também contribuiu. É só uma amostra de como a construção dessa sede mobilizou os baianos e pessoas de outros estados também. A ideia é que estava sendo criada a ‘Casa da Bahia’”, contou a professora Consuelo Pondé (1934-2015) em reportagem de A TARDE, na edição de 24 de março de 2014, página A7. No texto intitulado “Todo povo tem que ter sua história”, ela detalhou os preparativos para a comemoração dos 120 anos do IGHB, que presidia. O IGHB tem uma vasta coleção de edições dos diversos periódicos baianos, inclusive A TARDE.


Campanha

Para concretizar seu projeto, Bernardino de Souza fez uma espécie de crowdfunding, como se chamam as modernas campanhas de financiamento coletivo melhor viabilizadas por plataformas digitais, com os mais variados fins – produção de obras artísticas, assistência social, defesa de patrimônios ambientais, entre outras. Sem as comodidades desses atuais tempos digitais, Bernardino uniu criatividade e sua habilidade em oratória.

Com a ajuda da mulher e das filhas, o então secretário do IGHB, e já reconhecido por sua dedicação ao magistério e produção de estudos em geografia e história, percorreu diversas cidades do estado realizando saraus artísticos. Nessas atividades divulgava o projeto e ao mesmo tempo destacava a importância do IGHB, uma sociedade de estudiosos dedicados às questões de interesses da Bahia.

O projeto recebeu um apoio entusiasmado de intelectuais e de A TARDE. A inauguração da sede foi marcada para uma data mais do que especial: as comemorações dos 100 anos da Independência da Bahia, que incluiu uma programação que durou por quase duas semanas.

Na edição de 3 de julho de 1923, na página 3, A TARDE registrou a inauguração da “Casa da Bahia”. Segundo o texto, o deputado Pedro Lago representou o presidente da República, Arthur Bernardes; ministros de Estado estiveram presentes, assim como deputados e governadores, embora não tenham sido citados nominalmente.

No dia seguinte, o texto intitulado “A obra ahi está...” transcreve o discurso do presidente do IGHB, Theodoro Sampaio (1855-1937), um dos mais brilhantes e multifacetados intelectuais brasileiros. Sampaio destacou a importância da Independência da Bahia e contou detalhes da campanha coordenada por Bernardino de Souza, como a oferta de donativos efetuada por outros estados brasileiros. Os valores maiores vieram de São Paulo, Rio do Grande do Sul e Espírito Santo. Um rei também contribuiu. Ele cita “Sua Majestade o Rei dos Belgas”. Quem estava no trono da Bélgica nesse período era Alberto I, que três anos antes havia estado no Brasil em visita oficial. Sampaio também fez uma citação aos diversos anônimos que assinaram o livro de doações, inclusive estrangeiros, como o que assina “o português”, e a colaboração de A TARDE na divulgação do projeto. Em seu discurso, reservou um trecho para fazer uma homenagem especial a Bernardino de Souza:

“Não me consente, porém, a justiça, nem offenderei a modéstia do mais afanoso, do mais incansável dos nossos companheiros de lida, o nosso secretário perpétuo, o sr. dr. Bernardino, se eu aqui o declarar, como declaro solenemente, o verdadeiro autor de tão assignalado emprenhendimento. Pertence-lhe a iniciativa da ideia; pertence-lhe o plano de acção; a elle cabem-lhe a intensidade da propaganda, as conferencias publicas nas diversas zonas do estado, viagens a angariar donativos; a elle todo o zelo ao calor do qual a ideia se transformou nessa esplendida realidade que contemplamos. Não lhe regateemos aqui as provas do nosso reconhecimento, pois lhe cabem inteiras as honras desta gloriosa jornada de que todos nos orgulhamos”. (A TARDE, 4/7/1923, p.2).


Biblioteca Ruy Barbosa, no prédio do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB), fotografada em março de 2000


Baiano por adoção

Bernardino de Souza nasceu em Sergipe, na localidade chamada Vila Cristina, hoje Cristinopólis. Veio para a Bahia ainda criança para estudar no Colégio Carneiro Ribeiro. Em 1900 ingressou na Faculdade Livre de Direito, mais tarde incorporada à Universidade Federal da Bahia (Ufba). Casou-se com Maria Olívia, que era filha do professor Carneiro Ribeiro, de quem foi um ardoroso admirador.

Tornou-se professor de geografia e história. Ensinou no Ginásio da Bahia, que dirigiu em 1925 e depois de 1929 a 1934. Foi professor da Faculdade de Direito e também a dirigiu quando fez a campanha para a construção da sua nova sede. Teve também uma destacada atuação na política. Foi deputado estadual (1905-1906 e 1907-1908) e secretário do Interior e Justiça no governo interventor de Arthur Neiva, que durou cinco meses, em 1931. Seis anos depois foi nomeado ministro do Tribunal de Contas da União, que chegou a presidir.

Geógrafo e historiador, participou de vários congressos dessas áreas. Dentre os seus trabalhos destacam-se “O pau-brasil na história nacional”; “O Ciclo do carro de bois” e “Dicionário da terra e da gente do brasil”. Bernardino de Souza morreu em 1949.


No seu centenário, em 1984, A TARDE publicou um especial com textos de Seleneh Medeiros, uma de suas filhas; Luiz Viana Filho, Josaphat Marinho e Consuelo Pondé de Sena. Em 2013, a professora Consuelo organizou a coletânea intitulada “Bernardino de Souza, vida e obra”. Anualmente, o IGHB, instituição que o declarou seu secretário perpétuo, outorga a medalha e diploma com o seu nome a projetos e ações que defendem a cultura da Bahia. No ano passado, o jornalista e servidor do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe Gilfrancisco Santos lançou o livro “Bernardino José de Souza”.



Fontes: edições de A TARDE; Cedoc – A TARDE; Bernardino de Souza – Vida e obra – Consuelo Pondé de Sena (Org.), Quarteto Editora, 2013. *Os trechos das edições de A TARDE mantêm a ortografia da época.

Cleidiana Ramos é jornalista e doutora em Antropologia

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